quinta-feira, 23 de março de 2017

QUADRO BRASIL

Na tela do pintor
as palavras mudas não têm o poder de substituir a cor
nem a dor de cada gesto equivocado
rabisco, borrifada ou pincelada mal dada
mas cadanovo toque do pincel corrige 
ou apaga a antiga tonalidade
traz também a novidade do sombreamento
ante os efeitos pretendidos de luz e brilho...
No silêncio incontido
de um ser ignorado, lesado, roubado,
iludido, enganado e golpeado
não somente na tela de um
quadro nunca pintado
o desprezo em si não fere
o corte não machuca
mas subtrai e suprime
o abandono não mata
postega o processo de sofrimento
tolhe até o espírito...
Não há tinta fresca em mapas
mas o mapeamento da miséria
e da fome que consome
e há de consumir mais o homem
figura na natureza morta do servir...
A ira não surge também do nada
porque o ódio passeia com o ócio
a mídia frerta com o poder
o poder prevarica com o negócio
o empresário dirige a propina
que por sua compra setores do governo
e o governante esquece o Estado
que vira uma extensão
ou sucursal das empreiteiras...
O que não mata fortalece
mas quem morre aos poucos
carece de assistência
demência de quem domina a prensa
e deixa tudo no esquecimento
sutilmente o amor fraterno se cala
a revolta que se isola e segrega
uma legião de revolucionários
no conforto das redes sociais...
Ante qualquer esboço de fala
na ausência de gesto ou palavra
na carência de ações
ou na escassez de atitudes
não sobra nem o cheiro
da liberdade e da democracia
muito menos pinta-se novos quadros
porque sem tinta não há odor...
Quem foge não fede ou cheira
também não deixa rastro
porque sem pés não se anda
sem cantiga não há ciranda
sem panelas inútil é a varanda
sem voto se governa para poucos
e a consciência cidadã se esvai
ou some no imenso mosaico
que se tornou a soberania nacional...
Nessa toada louca e frouxa
no congresso se esvaem
todos os direitos sociais
para contemplar somente
os sonegadores fiscais
que causam rombo e suposto déficit
enquanto suas contam ficam superavitárias
cada vez mais aumenta a mais valia
e o trabalhador paga a conta da mal fadada economia ...
Nesse ritmo de golpe
sorte daqueles quase pé na cova
com os olhos na vala da desova
também pagarão a conta da reforma...
E a chamada democracia
se vai sem bandeira ou mastro
saiu pelo ralo sem deixar rastro
não há gesto ou ação contrária
porque não há luz e nem túnel
somente o fim da aposentadoria pública...
De certo que há sombra
somente onde existe luz
pinta-se na tela uma espada
desenha-se no papel um escudo
surdo não se ouve o clamor da rua
mas na luta em solo perde-se
mais que anéis, dedos e mãos
adeus aqueles tratados como força de trabalho
causa da dor e do abandono por mero descaso
sem adversário ou inimigo declarado
não há combate
não existe luta
há tão somente encruzilhada e cruz
posto de suprime-se a moldura e a luz
não te procuram paz
porque não te pintaram:
LIBERDADE...
C

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