terça-feira, 21 de março de 2017

MARIA FLOR

Era uma tarde ensolarada nas alamedas. Assim como todas as tardes, sempre me encontro com Maria Flor. Nunca marcamos encontro algum, pois tudo ocorre por obra do destino. Sempre que volto do almoço, uma vez que tenho o péssimo hábito de fazer minhas refeições bem mais tarde do que as pessoas, por acaso, encontro-me com Maria Flor. Já bem de longe, ela me espera sorridente. Às vezes, não consigo distinguir a sua expressão, principalmente, quando ela está zangada. Nem sei o motivo da sua raiva, pois nunca combinamos fazer nenhum programa. Quando não mudo de itinerário por obra também do destino, sempre subo a alameda das Latânias porque as sombras das árvores e dos muros das amenizam os efeitos dos castigantes raios solares.
Antes de conhecer Maria Flor, subia a ladeira até com mais entusiasmo. Mas depois daquela tarde em que Maria Flor parou feito estátua na minha frente e fez questão de me cumprimenta, as minhas tardes nunca mais foram iguais. Não sei bem ao certo quanto tempo conheço Maria Flor, mas certamente ela deve de me conhecer bem mais, talvez, de outras vidas. Vá saber!.
Hoje, subi a rua tão distraído que sequer pensei na possibilidade de um encontro casual. Subir tão distante do mundo que nem percebi que me aproximava da casa de Maria Flor. Aliás, nunca soube ao certo a localização exata da sua moradia. Maria Flor, ávida de um breve carinho, sempre se aproximava de mim sorrateiramente que, nem de longe sabia onde aquela doce menina residia. Mas para que mesmo perguntar o endereço, se sequer tínhamos uma relação de amizade. Antes, o que era somente uma troca de olhares, se tornou uma despojada catira de carinho mútuo.
Bem, mas voltando ao momento de distração de hoje encontro subia a rua, quero dizer que tal distração demorou pouco, pois bem de longe ouvi a voz de Maria Flor. Não sei bem ao certo o motivo de tanto falatório, pois sempre acreditava que aquela instigante criatura apresentava-se muito introspectiva e silenciosa. Era carinhosa, mas nunca havia ouvido a sua voz, foi percebi que eu também nunca havia falado muito com ela. Acho que apenas algumas palavras, tipo boa tarde; como vai; estava com saudade; etc.
De repente, uma súbita tristeza envolveu todo o meu ser naquele exato momento, quando percebi o quanto fui omisso nessa suposta relação, que sequer tenho certeza que existe. Para a minha maior decepção, nesta tarde, Maria Flor sequer olhou para mim, imagina se aproximar e trocar algumas palavras. Assim, ainda não consigo imaginar o motivo de tanta brabeza de Maria Flor comigo. Depois, percebi que Maria Flor estava dialogando com uma outra mulher.
Ela, uma senhora que aparentava ter mais de cinquenta anos, mas que também interagia com muita veemência com Maria Flor. Essa não deixava por menos, falava que só ela. Era altiva; determinada; dona de si; dona da razão; tinha sua vontades; e, principalmente, assumia o controle da conversa. Dona Domênica, imagino que este seja o nome dela, carregava uma sacola cheia de vasilhas e levava na outra mão um outro recipiente que parecia uma tupperware. Não sei se Domênica deixou cair de propósito essa última vasilha ou se realmente o objeto lhe escorregou das mãos. O que sei é que, Maria Flor se incomodou com aquele descuido da sua amiga e desferiu alguns impropérios em alto e bom tom. Aliás, alto mesmo! Eu estava um pouco distante e ouvi as palavras altivas de Maria Flor que fez menção de pegar a tupperware, mas deixou que Domênica a pegasse. Não demorou muito e as duas chegaram ao destino. Pelo que parece as duas moravam juntas. Poderia ser mãe e filha; tia e sobrinha; quem sabe avó e neta; ou simplesmente amigas. Pela intimidade conversa e pela firmeza da voz e das selecionadas palavras, acredito que eram bem íntimas.
Mas para que saber a intimidade da pessoas, pois o certo que, pela primeira vez nos últimos meses, Maria Flor havia me ignorado. Foi como se ela não me conhece ou ela não queria mostra intimidade alguma entre mim e ela para Domênica. Passei por elas e educadamente cumprimentei. Domênica, muito simpática, me corresponde desejando boa tarde, mas Maria Flor sequer me olhou. Não sei o que havia naquele recipiente de tão gostoso que Maria Flor queria tanto entrar em casa. Mal Domênica abrira o portão e Maria Flor em um salto triplo, sei lá! Ou fora um duplo twist esticado já adentrara pelo portão da garagem de sua casa. Domênica, pessoa essa que nunca havia visto antes, ainda trocou algumas palavras comigo, falando algo sobre aquela alegria arredia de Maria Flor e o seu desejo de chegar em casa. Logo, eu que pensara que Maria Flor não possui casa, fiquei intrigado com a euforia de uma moradora ilustre das alamedas querendo apenas adentrar à sua humilde residência. Cheguei até comentar com Domênica: hoje ela está cheia de prosa. Como é boa de prosa essa Maria Flor! Domênica me respondeu com um sorriso e, Maria Flor, se deitou, abriu a tupperware com o focinho e começou a comer...

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