quarta-feira, 19 de novembro de 2014

MEMÓRIAS DE UMA INFÂNCIA PERDIDA

Antes, quando criança, eu não falava...
Até me escondia das pessoas
Com medo de interagir com elas
Pois vivi muito tempo preso
Em um barracão de somente um cômodo
E, somente saía com minha mãe
Que andava léguas e léguas à pé
Sequer sabia o destino e o porquê de se andar tanto
Para não fazer nada
Posto que a mesma não encontrava emprego
Muito menos parava nas casas as quais conseguia trabalho como doméstica
Antes, quando criança, eu não falava...
No silêncio de minhas palavras mudas
E, somente com gestos me comunicava:
Balançando a cabeça na maioria das vezes
Dizendo não quando pensava sempre na possibilidade de dizer um sim.
Você está com fome? Respondia não balançando a cabeça.
Você está com sede? Respondia não balançando a cabeça.
Você está cansado de tanto andar? Respondia não balançando a cabeça.
Você está sentindo alguma dor? Respondia não balançando a cabeça.
Você está com sono? Respondia que não balançando a cabeça, mas os olhos mal conseguiam permanecer abertos...
Raramente dizia um sim, pois aprendi com minha mãe que não deveria aceitar coisas de estranhos e todos me eram estranhos, naquele pequeno mundo que vivia. Ou melhor sobrevivia...
Antes, quando criança, eu não falava...
E, no silêncio de minhas palavras mudas
Sofria e sentia um falta de tudo
Principalmente, daquilo que sequer sabia que existia:
CARINHO, AMOR, LIBERDADE...
Agora, peco pelo excesso...
Mas ainda preservo uma parte daquele menino
Pois ouço primeiro os Outros
Deixo-os falar bastante
Para depois expressar minhas opiniões
Às vezes, não falo quase que nada.
Apenas ouço as pessoas
Porque elas podem precisar somente de alguém para as ouvir...
Contudo, assimilo bem as críticas, pois aprendi com àquele menino
Que os gestos podem ir além de um sim ou de um não.
Podemos ter atitude e fazer algo para melhor a nossa vida
Aprendi a pensar de maneira coletiva
Pois muitos daqueles que me indagavam coisas
Creio que gostariam de ajudar
Mas o orgulho de minha mãe
E a falta de sensibilidade humana para aceitar ajuda
Nos impediu de ter uma infância melhor
Até que um dia, ela teve uma atitude
Um gesto que modificou as nossas vidas
Elas nos abandonou na casa de nossa avó paterna
Para que não morrêssemos de fome
Para que alguém diferente dela e do nosso pai pudesse cuidar da gente
Que pena que chegamos um pouco tarde
E todo o amor e o carinho já estivesse sido destinado à outras crianças daquela casa,
Este fato fez-nos conhecer a exclusão social e a discriminação bem mais cedo do que deveria, mas quem se importa: SOBREVIVEMOS...

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